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  • Foto do escritorJuliana da Paz

Um caminho pra (nos) dizer - por Silvia Tavares

Atualizado: 7 de abr. de 2020

Juliana da Paz me emociona com esse pequeno livro, ”Um ano sem roupa: Textos sobre como amar é difícil e bom”, mastigado em sabe lá quantas noites e dias de auto-lançamentos no vácuo, no mar e nos outros territórios de coragem que mulheres como ela (e todas nós) precisamos mergulhar para dizer (e ainda mais, escrever) nossos caminhares.

Aqui, ela escolhe e revela trilhas da relação-investigação com o outro objeto-sujeito do amor - por vezes desamor, ou egoamor- que é também um percurso de se experimentar em contato e improvisação. Sem coreografia prevista e deixando o corpo falar, mas de olhos, ouvidos e todos os sentidos alertas para dar sentido ao tempo, às negativas e ressignificações - “eu sei perder, mas não sei desistir do sentido que tudo isso ainda tem.”


Me emociona a coragem de se desnudar à leitura, anunciada no primeiro poema, num jogo de preservar-se, revidar e afirmar-se que é bem próprio das escritas femininas que tenho conhecido. Escritora jovem, ativa e circulante, de Maceió à Zona Sul de São Paulo, ela convida a caminhar pelos passos de alguém que somos todas nós, e vinga-nos, ecoando Elza, Tula e tantas manas, usando como estandarte a linguagem fágica/fálica com que por vezes tentam nos dominar, como em Fome:

Comer:

Abocanhar

Mastigar

Deglutir

Isso nunca se cumpriu

Você nunca me comeu

(...)

Antropotragica mensagem

Em morfotorta imagem

De quem sempre tem fome

De quem todo o tempo come

Mas não come ninguém

Você nunca me comeu!

Ruminou

Meu corpo são

Quis me por no coração

Mas comer

Não comeu não

Ouço também, na leitura muda, mas imaginada em palmas, batuques e pisadas de coco, os ecos nordestinos do cordel, a brincadeira com as palavras, os versos de acentuação polissilábica, como em Espelho Mágico, as rimas e palavras começadas com M que são cocos de embolada, como em Marejada

E eu bem Maria

Não sendo metal

Não vou marear

Feito os mariaté

Vou inundar

Com meu dicionário particular

De mim pra todo lugar

Todo lugar de onde eu vim

Eu do mundo

Mundo de mim

Pelo espelho em que Juliana se mira e nos convida a mirar, enxergo um bordado em palavras de mulher ancestralmente nordestina, aprendendo a registrar da vida e do amor a melhor nota, nesse mundo urbano-letrado que ainda ontem era quintal de terra e colo de vó. Egocompetições e pirações em travo amargo-irônico, a passagem e o sentido do tempo e seus efeitos, revides poéticos explorando a forma e os múltiplos sentidos da linguagem com uma leveza que engana e convida a re-leituras (Romeu e Juliana, Conjugado e tantas outras), tudo isso está aqui misturado e tangido pela corda do amor “difícil e bom”. Força e melancolia, pimenta, cuscuz, brincadeira e brabeza “da Paz”. Como disse outro dia Socorro Lira, precisamos perder o pudor de nos lermos e nos nomearmos, a nós, mulheres escritoras. Juliana é uma de nós, e é única. Bora tomar coragem. Bora escrevermos o mundo por nossas veredas.



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